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domingo, 22 de abril de 2007

Pra tudo se dá um jeito parte 2

***A barriga foi crescendo e a apreensão que sentia naturalmente aumentava a medida que começava a sentir os primeiros sintomas de um câncer. Seus dentes começaram a ficar moles e aparentemente seu queixo inchava muito sem motivo aparente. Não sentia dores. Apenas sentia que algo estava errado.
Quando chegou ao médico da cidade ele se assustou com o tamanho de seu queixo, e constatou que o bebê, isto é, eu estava bem e saudável. Depois da consulta rotineira disse a ela que era extremamente importante que se consultasse com um especialista para verificar o que poderia estar acontecendo com seus dentes e rosto.
Os médicos então descobriram um tipo raro de câncer chamado vulgarmente de tumor gigante. Vieram especialistas de São Paulo para vê-la. Todos os meses era preciso que se consultasse com os médicos, “até o bebê nascer”, diziam, quando marcariam finalmente a cirurgia. A cada ida à cidade, era humilhante para ela, e todos sabiam que só fazia para proteção do bebê.
Todos sabemos como as pessoas podem ser cruéis, mas as crianças são de certa maneira mais cruéis em sua ignorância, em minha opinião, que naturalmente vale menos que um grão de areia. O fato é que havia crianças que olhavam para ela e apontavam o dedo dando risadas e diziam: “ essa vai ter 2 bebês, um pelo queixo e outro pela barriga, né?”. A maioria das vezes a mãe repreendia, mas sempre tinha aquelas que achava graça da chacota dos filhos. Mas não eram apenas as crianças que a atormentavam. De fato seu rosto estava deformado pela doença. Seu queixo chegava na altura dos seios e realmente quem olhava dava a impressão que se encontrava com a barriga. Essa história sempre me emocionou...
Imaginá-la passando por isso e eu ali quietinha e quentinha em sua barriga protegida de todo o exterior, me incomoda até o dia de hoje. Era para ela ter chorado de raiva de mim por que grandes partes de seus problemas diminuiriam se eu não existisse naqueles momentos de terror.
Mas ela me amava e queria me proteger a todo custo daquela doença terrível. Quando eu nasci, os médicos aplicaram nela uma injeção para facilitar o parto que a deixou sonolenta. Segundo ela, antes de perder a consciência me mostraram a ela e a única coisa que achou ver é que eu tinha uma mancha horrível no rosto.

Ao acordar perguntou a enfermeira onde estava o bebê.
- A menina já vem, dona Gina. Seu marido está aí fora.
Era uma menina! Não acreditava no que ouvia. Menina, como a outra...
- Mas, ela tinha uma mancha escura no rosto, não tinha?
- Não, ela é branquinha, branquinha! Disse a enfermeira.
E realmente eu era normal. Transparente de tão branca. Não tinha cabelos, apenas uma penugem rala envolvia minha cabeça. Chamaram-me de Silvia e assim foi que eu nasci como a raspa de tacho desse casal incrível.

Quando conheci o Alexandre, meu marido, não tínhamos a pretensão de namorarmos, pois éramos apenas amigos de escola. Logo ele mudou seu horário na escola e, enquanto eu ainda estudava a noite e trabalhava durante o dia, ele passou a trabalhar a noite e estudar de manhã. Ficamos então um tempo grande sem nos ver, e qual não foi minha surpresa quando ele começou a freqüentar minha casa assiduamente vendendo roupas que sua mãe comprava em São Paulo. Virei freguesa e nos víamos com freqüência, o que nos levou a ficarmos próximos e assim a proximidade evoluiu para algo mais sério.
Meu pai achava que o Lê, era como eu chamava o Alexandre, por trabalhar com o pai dele esporadicamente como eletricista, e vendendo roupas para a mãe, não era um genro que ele esperava para sua filha mais nova. Desejava que ele tivesse um emprego fixo, pelo menos. Alem disso ainda havia o fato que seus pais eram separados legalmente, mas voltaram a morar juntos há algum tempo, tendo um relacionamento conturbado devido ao alcoolismo de seu pai. Aparentemente eram pessoas boas, mas que faltava o emprego fixo, isso faltava.

Após oito meses de namoro engravidei e sem saber a quem contar, desabafei-me com meu irmão, Nilton. Ele sempre foi um irmão maravilhoso. Me defendia quando eu tinha razão e os outros não, e me chamava a atenção quando acontecia o contrário. Não conhecia ninguém com quem eu quisesse parecer a não ser ele. Sensatez, educação, caráter, e humildade, além de inteligência fora do comum, eram apenas algumas de suas qualidades.
Ele na verdade se tornou o centro da irmandade. Falando assim até se parece com seita, é verdade, mas ele realmente foi a pessoa a quem mais recorríamos em horas de necessidade, não material, mas de conselhos. Ele fazia com que víssemos que sempre havia uma maneira melhor de conseguir as coisas, e mais de um jeito para nos perdermos dela.
Assim é como via meu irmãozinho que hoje tanta falta me faz... Pois a vida toma rumos em que nos perdemos a maior parte dos dias, sem termos o tempo necessário para o amor fraterno e familiar.

Quando ele soube que seria tio, a primeira impressão que tive foi que ele levou o maior susto de sua vida, mas depois percebi que a preocupação por meu estado geral ganhou força em seu coração e racionalmente agiu como apenas um pai faria. Perguntou-me se eu me casaria e se o Lê sabia. Como disse antes ele ainda não sabia, pois ainda que eu sentisse um amor especial por ele jamais tive certeza absoluta que me amasse o suficiente para se casar por nós e não apenas por causa do bebê. Diante de todo esse drama meu irmão me aconselhou a contar para ele e consultar um médico imediatamente para exames e acompanhamento. Assim percebi que teria todo o apoio de que tanto necessitava e esperava. Nada mais me dava medo. Eu tinha alguém do meu lado.

Meu irmão Nilton tinha uma namorada tão inteligente quanto ele. A Luciana se mostrou uma pessoa maravilhosa e amiga nessa situação nova em que eu vivia. Me ajudou mais do que ela mesma poderia imaginar. Andou por dias e dias comigo a procura de um vestido de noiva que não fosse tão caro mas fosse de meu agrado, e o mais importante, me acompanhou ao médico juntamente com minha mãe. Foram elas as primeiras pessoas a verem o coração do Felipe batendo dentro de mim através do ultra-som. Minha gravidez contava então de 15 a 20 dias.

4 comentários:

H K Merton disse...

Silvia, eu não te bloqueei, não! É que eu mudei o sistema, lá no meu blog. Eu estava tendo alguns problemas com xingamentos e mensagens ofensivas, por lá, então tive que acionar a moderação de comentários. Quer dizer, você escreve e envia, mas eu preciso aprovar antes de aparecer no livro. Detesto esse tipo de coisa, mas, pelo bem geral, fui brigado.

E vê se arruma um tempinho para continuar publicando as suas postagens por aqui, que esse sempre foi um dos meus favoritos.

Ah, e se eu soubesse que você queria comprar um bar tinha te dado um toque! Apareceu um negócio da China bem perto da minha casa, mas eu não tinha grana pra comprar... uma pena. Qualquer coisa me fala. Abração!

Ebooker disse...

Que narrativa envolvente Sílvia... muito bom mesmo. De fato, a vida toma rumos que terminam por nos afastar de pessoas importantes para nós, mas como diz uma música: "só o que é bom dura tempo bastante para se tornar inesquecível".

Grande Abraço !

)O(Lua Nua)O( disse...

EMOCIONANTES os 2 posts...
Lindos demais!!!!
Beijos

Anônimo disse...

Oi, Silvia...não vai terminar a história, não?

Beijossssss