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terça-feira, 14 de agosto de 2007

**Prá tudo se dá um jeito...3**

Por incrível que pareça diante de tantos receios que tinha ao revelar ao Alexandre e principalmente ao meu pai que seriam pai e avô respectivamente, a expectativa de ser mãe era realmente o maior dos receios e os outros deixavam quase de existir.
Minha família recebeu a notícia creio eu, melhor que os pais dele, em especial sua mãe Tania, que praticamente criou seus três filhos sozinha tendo apenas a ajuda constante de seu próprio filho mais velho, que era o Alexandre. Meu sogro chorou quando soube que seria vovô, mas minha sogra disse que seria no máximo titia, pois não tinha ainda idade para ser avó.
Jamais poderei explicar o quanto nos magoamos com essa frase feita em tom de brincadeira em meio aos meus familiares. Jamais esquecemos desse detalhe, mesmo quando o Felipe nasceu e até os dias de hoje. Com isso aprendemos desde cedo o quanto não dizer nada vale ouro, quando não se tem nada de bom para se dizer...
Isso rendeu inimizades e desprezos futuros...Que poderia ter sido obviamente evitado.
Recentemente soube que meu irmão mais velho foi amamentado pela primeira vez por minha avó materna. Minha mãe me contou que isso fez com que o Carlos não aceitasse mais o peito, e assim minha vó insistia para que seu neto fosse deixado com ela para que pudesse cuidar dele melhor. É claro que minha mãe não aceitou, o que a ofendeu muito. A conclusão disso é que meu irmão teve que tomar mamadeira, pois não aceitava o peito de minha mãe, e talvez por isso tenha sofrido tanto logo mais.
O Carlos sempre foi inteligente e amoroso. Aos 12 anos montou um rádio praticamente sozinho. Feito grande para um menino que vivia num sítio longe da cidade grande. Mas lodo abandonou o curso por correspondência que fazia de eletrônica e foi trabalhar. Sempre trabalhador, não teve tempo de se ater aos estudos. Logo se casou, pois sua namorada estava grávida, isso tudo no finzinho da década de 70, quando ainda era um terror se casar grávida e imperdoável não se casar diante do fato. Maria sempre foi pau pra toda obra, mas era muito jovem quando se casou. Infelizmente a imaturidade vem acompanhada com erros gravíssimos quando outros dependem de nossa inteligência emocional que tanto se prega abertamente hoje em dia. Tiveram uma filha, a Lia e um filho, Jim. Quando se casaram moraram com a mãe dela por um tempo e depois foram morar com meus pais. Eu era pequena, mas ainda me lembro das discussões entre eles. Dizem que crianças não se lembram de quase nada antes dos seis anos, mas não é totalmente verdade. Meu marido, por exemplo, diz se lembrar de todas as vezes que seus pais se agrediam verbalmente ou até fisicamente. Já um primo seu achou melhor apagar da memória como se não tivesse acontecido com ele, já que seus pais viviam em condição igual ao dos pais do Lê.
Lembro-me de coisas, situações, cheiros, expressões peculiares que me fazem ter a recordação intensa de ontem. Algumas delas me fazem chorar. Outras me fazem rir. Todas elas me marcaram de certa maneira para sempre...
Ainda me lembro que Maria fazia esporadicamente as unhas das mulheradas perto de casa e Lia era apenas um bebezinho que comia papinha de frutas, dessas compradas em farmácias e supermercados. Uma vez inclusive fiquei impressionada ao ver como ela sugava o seio de Maria. Achava impossível que alguém pudesse gostar daquilo. “Leite humano, Blargh!”. Maria então tomou uma solução drástica: espirrou o leite em mim. Jurei ódio eterno a ela, que ria largamente com seu jeito de menina mulher. Bons tempos aqueles em que meu coração não conhecia o rancor nem a mágoa, apenas o amor por todos ali.
Meu casamento então foi uma maravilha. Meu irmão Nilton me deu uma festa em uma casa onde havia até mesmo uma piscina. Vejam só. Foram padrinhos todos os meus irmãos e alguns tios de outra cidade. Depois de tudo, fomos morar na casa dos pais dele, isto é, nos fundos, o que chega a dar no mesmo. Moramos ali até que o inquilino saísse da casa que sua mãe possuía em um bairro afastado tanto de meus pais quanto dos pais dele. Passei a gravidez toda passando mal e não me lembro de ter ficado mais que o necessário naquela casa enquanto transcorria minha gravidez. A maior parte dos dias ia para a casa de meus pais que naquela época cuidava dos filhos de minha irmã Ana, pois ela sofria de esquizofrenia, e ainda hoje toma medicamentos fortíssimos.
Tenho muita pena dessa minha irmã. Ela fez tudo o que podia para se casar com Oswaldo. Tudo mesmo, menos perder a virgindade. E olha que ela já tinha 27 anos. Como tenho certeza? No dia seguinte ao casamento entra em nossa casa uma Ana transtornada. Dizia que seu marido não havia sido tão delicado e que estava sangrando e com muita dor. Aparentemente ele não acreditou ser o primeiro homem dela. E aparentemente começa ali uma das maiores causas de seus problemas emocionais. A incompreensão, a revolta e o medo que se instalou nela de tomar uma atitude com o passar do tempo.
Quando ela teve seu primeiro filho o Breno, ficamos sabendo por um vizinho que freqüentemente ela apanhava do meu cunhado. Ao ser perguntado se era verdade ela respondeu que a culpa era dela, pois sentia ciúmes do marido e não queria que ele conversasse com ninguém ou saísse de casa sem ela.
Aí podemos ver como são as coisas. Não dá para saber exatamente o que realmente acontecia, mas sabemos que tudo levou a uma degradação física e moral dessa pessoa que antes era uma das mais lindas moças que haviam por aquelas bandas. Trabalhava em uma grande loja, sempre maquiada e com roupas caras feitas sob medida. Seu futuro com certeza era muito promissor. Quando começou a namorar meu cunhado, achou que era perfeito. Alguns meses depois começou a desconfiar que ele estava saindo com outra. Como ela tinha certeza, minha mãe me disse para ir com ela um dia atrás do Oswaldo e qual não foi a surpresa quando o vimos aos beijos com uma viúva que morava logo ali pertinho de casa. Terminaram então por uma semana mais ou menos. Até que ele foi conversar com ela e jurou que havia terminado seu relacionamento com a viuvinha.
Ela acreditou, mas ficou no seu pé a espera de um deslize.
Sobre isso tenho que dizer que nunca entendi direito. Nem mesmo hoje entendo. Se ela não acreditava mais nele acho que seu orgulho a fez aceitar se casar, e ir a lugares em busca de ajuda como, por exemplo, macumbeiras e benzedeiras. Ninguém em casa concordava com ela, na época todos éramos católicos fervorosos, então achávamos errado atingir um objetivo dessa maneira, mesmo que o objetivo em si fosse aparentemente a felicidade própria.
A verdade é que tínhamos medo que o feitiço virasse contra o feiticeiro. Dito e feito.
Minha irmã teve 3 filhos. Quase que um atrás do outro. Ela não tinha condições de se lembrar de tomar os cuidados sozinha para que evitasse engravidar. Meu cunhado nunca ligou para isso. Breno era lindo e gordo. Parecia um bonecão. Brincalhão e fofo. Depois veio a Patrícia que era linda como a descrição da branca de neve, só que seus cabelos eram mais claros. Por fim nasceu a Raila pequena e frágil... Chorava sem parar quando era bebê. Se tornou uma moça responsável e bela hoje. Aliás, os três para mim são vencedores. Agradeço muito a eles, pois a noção que tenho de ser mãe, devo muito aos dias em que enquanto minha irmã estava internada em uma “clínica de repouso”, cuidei deles juntamente com minha mãe. Estava grávida de meu primeiro filho então, mas minha alegria era todos os dias chegar à casa de meus pais e ver aqueles rostinhos. Eles nos chamavam de três patetas, como no filme. Mas ali éramos quatro. Meu pai, minha mãe, meu irmão Nilton e eu. Éramos realmente patetas por eles e faríamos qualquer coisa por esses três, sempre.
Depois de meu nascimento minha mãe não via fim às visitas aos médicos. Sempre fazendo exames e esperando o melhor momento de se fazer a operação, que muito ela temia. Precisaria ser feita em São Paulo, o que dificultava muito, pois não tinha quem ficasse com as crianças. Meu pai precisaria ir com ela e, a bem da verdade nenhum dos dois sabiam como chegar no hospital.
Foram dias e semanas sem fim esperando que o dia chegasse. E quando chegou o dia, pegaram um ônibus para São Paulo, levando consigo o pouco dinheiro que conseguiram juntar durante meses para esse dia tão temível.
Chegando lá, tiveram que ir a um posto do Inps, pois no hospital foram informados que a internação seria apenas na manhã seguinte. Nem mesmo posso imaginar qual não foi o desespero por não terem dinheiro suficiente para alugarem um quarto ou comerem algo, pois o dinheiro daria apenas para que meu pai voltasse daquela grande cidade. Em meio a tudo isso, encontraram um rapaz gentil que sabendo o que passavam naquele momento, tirou de sua carteira dinheiro suficiente para que passassem a noite e fizessem uma refeição em uma pensão perto do hospital. Meu pai diz até hoje com lágrimas nos olhos que se voltasse a ver aquele homem, lhe mostraria o quão bondoso havia sido naquele dia. Esse homem, um simples desconhecido fez por eles o que mais ninguém conhecido na época se propôs a fazer. Com o dinheiro então, alugaram um quarto muito simples e comeram pela primeira vez aquele dia: uma sopa ralíssima que mais parecia apenas caldo. Passaram frio pois ali tinham apenas lençóis, e ao acordarem foram direto ao hospital, onde minha mãe ficou por quase dois meses a espera que meu pai fosse buscá-la.
Enquanto ela lá se recuperava da operação onde foi retirado todo o osso do queixo e no lugar colocado uma prótese de silicone, aqui a vida estava difícil. Meu pai não conseguia juntar o dinheiro para as passagens, e, para complicar, fiquei doente e precisei de remédios e cuidados extras. Por mais de uma vez precisou durante aqueles dois meses dispor do dinheiro por causa da casa, de remédios e alimentação. Por muitas vezes chorou e clamou a Deus para que o ajudasse a ter forças. Por muitas vezes ele achava que a ajuda não viria...
Minha mãe ficava a maior parte do tempo só, a não ser esporadicamente quando vez ou outra um paciente ficava por ali junto no mesmo quarto. Todos se sensibilizavam sabendo da situação em que vivíamos aqui em nossa cidade, e brincavam com ela dizendo que meu pai não iria mais buscá-la. Ela não se chateava, mas tinha muito medo que a mandassem embora dali por já estar bem, e se isso acontecesse para onde iria?
Passou-se então dois meses e meu pai foi recebido com festa no hospital. Todos ficaram felizes ao verem minha mãe partir, e aqui ficamos felizes ao vermos seu retorno.